Melhor do que
redobrar a vigilância é diversificar os meios de checar a aprendizagem. Na hora
do flagrante, no entanto, não deve faltar uma boa conversa.
As táticas da cola são criativas: pedacinhos de papel pregados na sola do
sapato ou camuflados em canetas, mangas de blusa ou na aba do boné. Fórmulas
matemáticas ou textos minúsculos também são escritos pelos adolescentes na
parede ou num cantinho da carteira. Você pode até tentar descobrir e reprimir
as variadas estratégias - algumas bem antigas, outras até tecnológicas. Mas não
é assim que o problema vai se resolver. Se seus alunos estão sempre colando, a
primeira providência é entender o porquê. Talvez eles estejam manifestando
insegurança, mostrando que não se ajustam a um ensino que privilegia a
"decoreba" ou se recusando a quebrar a cabeça para provar que sabem
coisas pelas quais não se interessam. De qualquer modo, essa burla às regras
mostra que não há compromisso com as normas escolares e que falta eficiência ao
sistema de avaliação.
Entre os motivos
estão a exigência de decorar fórmulas e a aplicação apenas de provas como forma
de verificar o avanço da turma. Testes de múltipla escolha, é bom lembrar, são
um convite a esse tipo de fraude. O primeiro antídoto para desestimular a cópia
- seja de um papelzinho, do caderno ou do vizinho - está na forma como a escola
encara a avaliação.
"Se o professor
avalia continuamente, passando tarefas menores, gradativas e seqüenciais, pode
verificar com clareza a aprendizagem do aluno em vários momentos e de forma
complementar", diz a consultora Jussara Hoffmann, de Porto Alegre. A
especialista em avaliação defende em teoria o que já comprovou quando lecionava
Língua Portuguesa. "Eu evitava a cola passando tarefas como uma redação,
que propiciavam ao aluno responder de forma criativa e singular."
Na Escola Municipal
Barbosa Romeo, em Salvador, os professores não reclamam de cola. O motivo é a
proposta pedagógica da escola, que prevê como princípios valorizar o
conhecimento prévio do aluno e contribuir para que ele se torne ativo e
crítico. "Não queremos que os estudantes só ouçam, memorizem e
respondam", diz Lane Cristina França Oliveira, professora de História e
Geografia. A alternativa a esse sistema é uma avaliação processual, feita no
dia-a-dia, sem necessariamente haver a aplicação de testes. Os projetos
propostos têm relação com a vida e a cultura dos jovens.
Como evitar as
fraudes
No Colégio Monteiro
Lobato, de Porto Alegre, não há mais provas. "Nosso objetivo não é testar
o aluno, mas realizar um diagnóstico para detectar deficiências no aprendizado
e trabalhar esses pontos novamente", explica o professor Luciano Denardin
de Oliveira. Por isso, o aluno não vê mais razão para se valer do
"jeitinho brasileiro". Lá só se avalia o que já foi bem trabalhado e
ninguém precisa colar fórmulas, pois elas ficam no quadro-negro, para todo
mundo ver.
A prova com consulta
é o melhor antídoto da cola para Gustavo Bernardo, professor na Universidade
Estadual do Rio de Janeiro. "A avaliação que dá margem à cola precisa ser
abolida, proporcionando uma relação de confiança, não só do professor nos
alunos, mas dos alunos no próprio saber."
As avaliações que
Bernardo propõe têm o objetivo de estimular a capacidade de argumentação.
Durante os testes, os alunos podem consultar cadernos, livros e até uns aos
outros, desde que não copiem. "E a sala não vira uma bagunça."
Com a boca na botija
Mesmo professores que
procuram diversificar os instrumentos de avaliação podem deparar com a cola em
classe. Quando isso ocorria, a professora Jussara anotava o nome do estudante e
mais tarde o chamava para uma conversa. Hora da bronca? Muito pelo contrário. O
momento se transformava em um atendimento especial tanto na parte afetiva
quanto cognitiva. Jussara mostrava aos alunos que era mais produtivo
consultá-la do que recorrer ao colega ao lado: "Às vezes um grupo de
alunos vinha à minha mesa dizendo não saber resolver uma questão. Se fosse
preciso, respondia com eles".
Bernardo, por outro
lado, não é nada tolerante com a "desonestidade intelectual" da
cópia, mesmo sendo adepto de provas com consulta. Atento à facilidade
propiciada pela internet, ele localiza informações roubadas de sites e dá zero
ao aluno preguiçoso. "Se uma situação clara de desonestidade se apresenta,
a repressão deve ser feita com rigor", argumenta. Para ele, os
adolescentes precisam de regras e escola frouxa com as próprias leis ensina o
aluno a colar. Isso não significa que você deve se transformar em detetive,
investigador ou carrasco. Vale dizer que quanto mais autoritário o professor é
com a turma, maior a probabilidade de ser vítima da cola.
Fazer vista grossa
também não ajuda: se você finge que não vê, o aluno percebe o descaso e perde o
respeito. O momento é de discutir com a classe o que a cola significa e debater
a transparência nas relações. Bernardo aposta na abertura para o diálogo. Os
alunos dele podem, por exemplo, reclamar da nota de uma avaliação, desde que o
façam por escrito e assim exerçam a capacidade de argumentação. "Muitas
vezes o resultado disso é melhor do que a prova."
No Colégio Estadual
Emílio de Menezes, em Curitiba, a hora da prova não é momento de terrorismo, de
acordo com o diretor Alcides José de Carvalho. "Damos mais ênfase à
questão formativa e valorizamos o progresso do aluno independentemente de ele
ser o 'melhor' ou o 'pior', da turma." Por isso, as situações de cola não
são freqüentes.
Quando algum problema
desse tipo acontece, o aluno é encaminhado para a orientação educacional.
"Mostramos que a atitude não era correta", diz o diretor, enfatizando
o cuidado de falar da atitude e não da pessoa. Ou seja, não é o aluno que está
errado, e sim o que ele fez. "Temos uma grande função social de preparar o
aluno para não compactuar com o modelo da chamada 'lei de Gerson', que defende
que o importante é levar vantagem em tudo."
Lição para o aluno e
o professor
Dentro dos padrões
vigentes, a cola é um ato desonesto, assim como a mentira. Mas, para José
Sérgio de Carvalho, professor de Filosofia da Educação da Universidade de São
Paulo, quebrar regras nem sempre é sinônimo de falta de ética. Consultar
anotações na hora da prova, para ele, não é motivo para criar um
bicho-de-sete-cabeças. "Não há quem tenha freqüentado uma sala de aula sem
colar ou cometer algum outro desvio das normas previstas pela escola."
A cola é uma situação
potencialmente educadora, na opinião de Carvalho. "A aplicação de uma
regra bem feita educa mais do que uma conversa." Para que isso aconteça,
professor e alunos, juntos, devem ter discutido quais são as regras referentes
ao momento da realização das provas e as possíveis punições a quem
transgredi-las. Assim, o aluno saberá, de antemão, o risco que corre ao
descumprir o combinado. Se pego em flagrante, deve ser devidamente punido.
"Socrátes já dizia que a pena justa é aquela adequada ao delito e a quem o
cometeu", cita Carvalho.
Quando a fraude
ocorre e é descoberta é momento também de o professor refletir: o fato mostra
que o aluno não está seguro. Mesmo sem ter aprendido, ele finge que sabe para
não ser punido. "Se o estudante faz de conta que entendeu, o professor não
fica sabendo qual a sua real condição e não pode ajudá-lo", diz Jussara
Hoffmann. A cola, ela finaliza, é resultado de uma aprendizagem não
significativa. "O aluno não cola aquilo que entende."
Refletir para
entender a cola
Se a cola aconteceu
em sua classe, talvez esse seja o momento de você pensar sobre o sistema de
trabalho e de avaliação que vem adotando. Responder às perguntas abaixo pode
ser uma boa forma de buscar soluções de fato eficientes para o problema.
. Pese o que você
está exigindo nas provas. Para se sair bem nelas o aluno precisa decorar
fórmulas e datas? O conteúdo que está sendo cobrado foi bem compreendido pela
turma?
. Pense e discuta com
colegas, alunos e direção se o método de avaliação adotado pela escola é justo
e eficiente. É apenas a nota da prova que define o nível de aprendizagem da
turma ou outras formas de avaliação estão sendo levadas em conta?
. Que importância
você dá à nota da prova: é sempre um atestado de ignorância ou de inteligência?
Ou você considera a prova uma forma de reorientar as suas ações?
. Que tal olhar sem
preconceito para o aluno que foi pego colando e perguntar: por que fez isso?
Teve um comportamento desonesto pura e simplesmente ou parecia inseguro e
nervoso por não ter estudado direito? Às vezes o pavor é tanto que o aluno
esquece tudo que estudou. Será que ele necessita de ajuda ou você precisa
repensar a avaliação?
. Quando boa parte da
turma tirou nota baixa, você aproveita para fazer uma auto-avaliação ou entende
que o problema está na incapacidade de aprendizagem deles?
. Há transparência na
sua relação com os alunos, com espaço, por exemplo, para discutir a nota?
. Antigamente, o
professor podia sair da sala durante a prova, porque confiava nos alunos. Hoje,
raros têm essa atitude. Imagine como seria se você deixasse seus alunos
sozinhos durante a prova. Para você, isso mudaria o resultado da avaliação?
. Sua escola cria
espaço para a discussão da ética? Sabemos que o comportamento ético chega a ser
desestimulado na nossa sociedade competitiva e desigual. E se você
transformasse o problema no mote de uma discussão?
. Você sabia que uma
prova não prova nada? Uma cola também não. Se o aluno faz um lembrete não
indica que ele é mau caráter.
Fonte: Revista Nova Escola