sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Para refletir: Receita para arrancar poemas presos - Viviane Mosé




A seguir, trago um poema de autoria de Viviane Mosé. Ela é psicóloga e psicanalista, e entre os anos de 2005 e 2006, apresentou no programa Fantástico um quadro sobre filosofia no cotidiano, onde seu trabalho ganhou notoriedade.
Tem também um site muito legal, para quem gosta de poemas de qualidade, escritos por pessoas com sentimentos a flor da pele, e sem medo de expressá-lo: www.vivianemose.com.br.

Foi-me apresentado este poema na Faculdade de Educação. Fez-me pensar sobre a utilidade de nossa boca e de nossos corações: falar, sentir, falar o que sente, simplesmente... O receio, o medo, a rotina, o respeito (ou a falta de respeito consigo mesmo) faz com que muitas vezes nos calemos diante daquilo que pensamos, o que não é nada bom.

Nós, que trabalhamos com Educação, lidamos com pessoas o tempo todo. E, sabemos, cada pessoa é diferente, e a consequência de relações entre pessoas diferentes são conflituosas, inevitavelmente. 

Diante disto, podemos e devemos nos expressar, deixar fluir aquilo que passa em nossas cabeças, sem medo de que vai magoar alguém, ou de que pode estar equivocado. Critique, sem medo, sua contribuição pode ser muito grande para quem o ouve. 

Desabafe sobre seu cotidiano, sobre suas dificuldades, compartilhe emoções, descarregue. E perceber que foi equivocado nas afirmações que fez, fale ou escreva mais um pouquinho, e concerte aquilo que disse que não faz o menor sentido. Se errar, magoar, não se cale, mas use ainda mais uma palavra: "Perdão!". Somente não se cale, afinal: palavra presa é tumor.


Receita para arrancar poemas presos


A maioria das doenças que as pessoas têm são poemas presos.

Abscessos, tumores, nódulos, pedras são palavras calcificadas,

Poemas sem vazão.

Mesmo cravos pretos, espinhas e cabelo encravado.

Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema. Mas não.

Pessoas às vezes adoecem da razão

De gostar de palavra presa.

Palavra boa é palavra líquida, escorrendo em estado de lágrima.


Lágrima é dor derretida. Dor endurecida é tumor.

Lágrima é alegria derretida. Alegria endurecida é tumor.

Lágrima é raiva derretida. Raiva endurecida é tumor.

Lágrima é pessoa derretida. Pessoa endurecida é tumor.

Tempo endurecido é tumor. Tempo derretido é poema.

Mosé, Viviane. Pensamento Chão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008