segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Ensino integral: mais tempo para ensinar. E agora?


A extensão da carga horária impacta a rotina da escola. Nesta reportagem, os desafios que a equipe gestora precisa enfrentar - e as soluções de cada um deles.


Mesmo que a instituição em que você trabalha ainda não esteja atendendo os alunos em tempo integral, certamente a discussão sobre a ampliação da carga horária já chegou às reuniões dos gestores, pois está na pauta de todas as Secretarias de Educação do país. A oferta de vagas em jornada de no mínimo sete horas vem aumentando ano a ano - e virou política pública prioritária, tanto que o objetivo do Plano Nacional de Educação (PNE) é chegar a 2020 com metade das escolas e um quarto dos alunos das redes públicas nesse regime (veja gráfico abaixo).

Para as escolas, trata-se de uma mudança e tanto. É preciso ampliar o currículo, rever a duração das aulas e adaptar os espaços. Ainda é preciso reorganizar as turmas e o número de professores e funcionários e recalcular a quantidade de material e merenda. Para o bem e para o mal, não existe um modelo de organização nem tampouco um consenso sobre de que maneira as horas a mais podem contribuir para a aprendizagem dos alunos. Se por um lado as redes e as unidades têm liberdade para decidir o que fazer com as horas que passam a mais com as crianças, por outro há o risco de a falta de parâmetros levar a ações vazias e sem impacto na formação dos alunos.

Contudo, há alguns consensos. O primeiro é que somente ter uma carga horária maior não é determinante para que os estudantes tenham bom desempenho - entre os primeiros colocados do Programa Internacional de Avaliações de Alunos (Pisa), estão os finlandeses, cuja jornada é de cinco horas nas séries iniciais. "Ficar mais na escola só é bom para o estudante quando as atividades são planejadas e têm objetivos claros e há um maior contato dele com o conhecimento", afirma Sergio Martinic, professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile (PUC-Chile) e pesquisador da relação entre tempo e aprendizagem. Daí a importância de investir na decisão sobre o currículo.

Outra unanimidade entre os especialistas é a importância social da permanência na escola. No Brasil, essa concepção remete aos ideais dos educadores Anísio Teixeira (1900-1971) e Darcy Ribeiro (1922-1997). Para eles, a instituição de ensino deve investir também na formação humanística e na inserção social dos alunos (leia a linha do tempo na próxima página).

É justamente este um dos principais argumentos do Ministério da Educação (MEC) na defesa da expansão do ensino integral: diante das desigualdades sociais, é preferível que os educadores se responsabilizem pelas crianças por mais tempo a deixá-las nas ruas. "Em muitas famílias, não há quem as mantenha afastadas da violência", afirma Jaqueline Moll, diretora de Educação Integral do MEC.


Crescimento veloz Com esse objetivo, o Programa Mais Educação, criado pelo governo federal em 2007, financia o aumento da carga horária nas redes estaduais e municipais, priorizando as unidades localizadas em regiões de vulnerabilidade social e com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Até 2011, cerca de 15 mil instituições haviam aderido ao programa. A questão é: como vencer o desafio de ampliar a oferta justamente nos locais que são mais carentes de recursos e infraestrutura?

Segundo Jaqueline, é possível chegar a uma solução sem gastar muito em reformas estruturais ou na contratação de pessoal. O Mais Educação aposta na colaboração de instituições vizinhas à escola que possam ceder seus espaços e no trabalho de voluntários - preferencialmente universitários, professores aposentados e especialistas - dispostos a contribuir com seu conhecimento específico (um mestre de tae kwon do ou de xadrez, por exemplo) para a formação das crianças. Nesse caso, as despesas de transporte e alimentação são custeadas pelo Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). O MEC sustenta que o contato com os profissionais externos traz novas experiências à escola e a aproxima da comunidade - argumento que também justifica a utilização de locais alternativos para as atividades, como quadras públicas, praças, parques e centros culturais.

Nos pontos relativos aos profissionais que ministram as oficinas e os lugares em que elas acontecem, o governo encontra alguma resistência. Boa parte dos educadores defende que as funções de ensinar devem ser ocupadas por docentes especializados - necessitando, nesse caso, ampliar as contratações da rede para atender à demanda. "Educação de qualidade se faz com profissionalismo. O ideal é que os alunos estejam sempre acompanhados por gente preparada para educar e que receba formação específica para isso: os professores", defende Lígia Martha Coelho, coordenadora do Núcleo de Estudos de Tempos, Espaços e Educação Integral, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Em relação aos espaços alternativos, Lucia Helena Alvarez, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que as parcerias não podem servir para tapar buracos: "A formação humana e social faz parte da concepção de ensino integral e, por isso, a escola precisa se relacionar com o entorno. Contudo, isso não pode ser desculpa para a falta de infraestrutura. A instituição precisa ser suficientemente equipada para atender à demanda de aulas".

Como não há modelos definidos, é possível encontrar no Brasil vários arranjos de tempo e espaço funcionando de forma eficaz. Algumas iniciativas - como contratações, reformas estruturais e aumento da merenda - deverão ser assumidas pela rede de ensino. Outras dependem de decisões da equipe gestora. E é nos pontos que estão a cargo da escola que esta reportagem irá se focar. Aqui, você vai conhecer os principais desafios que a instituição enfrenta na hora de ampliar a jornada e como solucioná-los.
O número de matrículas em ensino integral* na Educação Básica no ano passado foi cinco vezes maior que há cinco anos. Mas isso ainda é apenas um sexto da meta do Plano Nacional da Educação para 2020.
Crescimento veloz. Ilustrações em papel Larissa Ribeiro
* Carga horária diária igual ou superior a sete horas/ ** Projeção/ Fonte: MEC,




Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/ensino-integral-mais-tempo-ensinar-agora-700028.shtml